Viver com menos, o que implica reduzir os teus gastos, pode efetivamente significar maior liberdade e bem-estar, por três razoes fundamentais que irei desenvolver a seguir:
1. Gastar muito dinheiro em bens ou serviços implica a perda de liberdade para gastar noutros
Este argumento tem a ver com o facto de que gastar muito dinheiro em determinados bens implica necessariamente não podermos gastar dinheiro noutros (vê mais sobre o conceito de custo de oportunidade aqui). Estamos, assim, de certa forma, presos aos bens ou serviços que adquirimos que, muitas vezes, foram resultados de decisões espontâneas e pouco pensadas. Ao consumirmos, perdemos a tranquilidade de saber que temos esse dinheiro disponível para eventuais necessidades ou até luxos futuros. De acordo com Elizabeth Dunn, uma investigadora na área da felicidade, que estuda o tema da relação entre a felicidade o a forma como gastamos o dinheiro, poupar dinheiro aumenta os nossos níveis de felicidade, eventualmente mais do que gastá-lo. Segundo o meu ponto de vista, tal está relacionado com a tal liberdade de termos dinheiro para gastar em inúmeras possibilidades, naturalmente limitadas à quantidade de dinheiro que temos poupado. O dinheiro não é ilimitado e, portanto, gastá-lo num determinado momento significa perder a oportunidade de o gastar noutro momento e noutra possibilidade.
2. Ter muitos bens ou gastar muito dinheiro em bens ou serviços implica não usarmos o nosso tempo de forma mais livre
Quando se tem muitos bens, geralmente o nível de dívida ou o nível de pagamento mensal relacionado com os mesmos é elevado. Este custo mensal não tem necessariamente de ser dívida, podendo ser elevadas despesas de manutenção de uma casa, elevados impostos de um carro mais caro (vê aqui o custo total de ter um carro), etc. Estas dívidas ou obrigações monetárias regulares limitam mais uma vez a nossa liberdade não só porque nos restringem o dinheiro disponível, mas também porque geralmente não nos permitem tomar decisões mais arriscadas a nível de trabalho, que poderiam eventualmente trazer-nos maior satisfação a nível profissional ou pessoal. Um pai ou mãe não pode decidir tirar uma licença sem vencimento para estar com o seu filho se tem X dinheiro para pagar por mês. Ao mesmo tempo, podemos ficar mais avessos ao risco no trabalho, tentando manter o nosso posto de trabalho que sabemos que nos garante o pagamento das dívidas mensais, e não arriscarmos a tentar uma nova área ou até uma nova empresa. Ficamos, portanto, limitados na forma de usar o nosso tempo, nomeadamente a nível do tempo passado no local de trabalho. Claro que a atitude perante o risco é muito individual e determinadas pessoas podem não se sentir restringidas pelas suas dívidas mensais, mas o mais comum é que de facto o sintam e prefiram o conforto do trabalho seguro pelo incerto quando existe esta obrigatoriedade de pagamentos mensais ou anuais.
3. Ter muitas coisas pode fazer com que sejamos reativos e não pró-ativos sobre a forma como usamos o nosso tempo
Ter muitas coisas faz efetivamente com que não nos foquemos e nos deixemos arrastar pelas opções mais apelativas. Um bom exemplo é o dos telemóveis, já que todos temos geralmente muitas aplicações disponíveis. Todas já experienciamos passar minutos a viajar pelo telemóvel acabando por parar na aplicação que nos chama mais atenção e não fazendo o que realmente íamos fazer quando pegamos no telemóvel. Queríamos mesmo ver o tempo ou ler as notícias? Ou apenas o fizemos por termos essa opção mesmo à nossa frente? Segundo os autores de Declutter your mind, quando temos muitas coisas perante nós “reagimos ao que está à nossa frente em vez de conscientemente decidir como vamos criar as nossas vidas”. O próprio Steve Jobs adotava a filosofia do minimalismo na sua própria casa, já que considerava a mobília como uma distração, tendo por isso o mínimo de mobília possível e num design que se confundia com as paredes ou chão. A ideia por detrás do minimalismo está muito relacionada com sermos pró-ativos na forma de gerir a nossa energia e o nosso tempo, isto é, fazendo-o de forma consciente e não apenas reagindo as opções que o mundo nos presenteia, aumentando assim a nossa liberdade. É uma forma quase de enganarmos o nosso cérebro já que, ao termos poucas distrações, nomeadamente na nossa casa, no nosso telemóvel, etc. conseguimos decidir o que realmente queremos prestar atenção, em vez de deixar o exterior tomar essa decisão por nós.
Assim, viver com menos pode significar mais. Mais bem-estar, mais paz de espírito, maior liberdade para usares o teu tempo e o teu dinheiro. Menos bens, mas mais possibilidades.